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FESTIVAL DE TRIBECA – 3 realizadores

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O Festival de Tribeca, que ocorre entre os dias 17 e 28 de abril, na cidade de Nova York, é uma vitrine para novos realizadores, assim como para veteranos, alguns consagrados internacionalmente. O blog de cinema do Diário do Nordeste apresenta uma série de matérias com três realizadores selecionados para a XII edição do festival, com os perfis apontados acima: o respeitadíssimo diretor holandês de origem indonésia Leonard Hetel Helmrich, o americano Banker White,  e o jovem diretor israelense Jonathan Gurfinkel, 36 anos, nosso primeiro entrevistado, que, com seu filme de estréia, Six Acts (Shesh Peamim, Israel, 2012) arrebatou os prêmios de melhor filme de estréia e TV5 Outro Olhar, do Festival de San Sebastián, e os prêmios de melhor roteiro e melhor atriz no Festival Internacional de Haifa. Ao contrário do que se pode esperar de uma produção oriunda de um país mais lembrado pelos anos de conflito entre israelenses e palestinos, temos aqui outro tipo de drama, universal, silencioso e que remete à desagregação social, à violência inerente ao sistema capitalista e aos reflexos de tudo isso na esfera das relações pessoais, com destaque para a sexualidade adolescente

O jovem diretor Jonathan Gurfinkel: filme de estréia premiado em San Sebastián

O jovem diretor Jonathan Gurfinkel: filme de estréia premiado em RAIFA e SAN SEXBASTIAN

Six Acts (Shesh Peamim, Israel, 2012) é uma ficção inspirada em acontecimentos reais. Mas essa definição é absolutamente desnecessária para a compreensão imediata do filme. O título A Garota mais Fácil da Escola, cunhado pelo jornal espanhol El Mundo, em matéria a respeito do longa, é revelador tanto da essência realista quanto da universalidade da estória: afinal, quem nunca conheceu, em seus tempos de escola ou faculdade, aquela garota que era considerada a vadia do lugar?

O filme de estréia de Jonathan Gurfinkel apresenta a história de Gili (vivida pela ótima atriz Sivan Levi) uma adolescente de 17 anos que quer mudar seu status social a qualquer custo. Dessa forma, transfere-se para uma escola de classe média alta e procura se envolver com Tomer (Roy Nick), um playboy bastante popular na nova escola, que não está muito a fim de compromisso com a garota, e joga-a nas mãos de Omri (Eviatar Mor), que a introduzirá numa série de abusos que vão da felação no banheiro masculino de uma boate até a tentativa de entrega-la aos desejos do seu irmão de apenas 13 anos de idade. À medida que a adolescente cede aos caprichos do bon vivant e dos seus amigos, Gili parece jogar fora o que lhe resta de autoestima, ao ponto de, na sequência final do filme, haver a inequívoca sugestão de mais um envolvimento sexual escandaloso, dessa vez com o pai de Omri. A esse respeito, quase todos os abusos ocorrem no recanto sagrado dos lares, sob a indiferença absurda (quando não com o consentimento puro e simples) dos pais. Há um evidente (e natural) ponto de vista moral (e não moralista) no filme, o que pode ser explicado pela impressão causada pelos fatos que lhe deram base.

O filme é inspirado (e não baseado) em fatos reais, diz Rona Segal, roteirista de Six Acts, que morou por dois anos no Brasil, trabalhando como correspondente internacional. Houveram casos famosos de abuso sexual em escolas próximas a Tel Aviv cobertos pela imprensa. Alguns aconteceram quando Jonathan e eu éramos adolescentes. Mas de que espécie de abuso se está falando? Quando se tem a oportunidade de se ver o filme, esse aspecto parece não ser tão evidente, o que coloca o espectador numa zona de desconforto que o acompanhará pelos próximos 94 minutos de projeção.

A esse respeito, Jonathan esclarece: Um dos nossos principais objetivos é provocar questões acerca da ‘zona cinzenta’ entre o consentimento e o abuso. Gili é uma pária social que fará qualquer coisa para ser aceita. Nem que para isso seja necessário ceder à toda sorte de humilhações, podemos completar. O que em alguns filmes, como Evil, Raízes do Mal (Ondskan, Suécia, 2004) e Carrie, a Estranha (Carrie, EUA, 1976), foi tratado como agressão clara e simples, em Six Acts beira à normalidade, o que não deixa de ser assustador.

Nossa intenção é mostrar que, na realidade, o abuso é mais comum do que se pensa, e em todo lugar. E geralmente isso não chega à imprensa e nem aos tribunais, explica Rona, o que leva qualquer pessoa às próprias lembranças de estudantes, vítimas ou testemunhas de abusos hoje conhecidos como Bullying, sendo que, em boa parte dos casos, há uma clara adesão aos agressores e/ou omissão em relação ao sofrimento das vítimas. Será que fazemos parte de uma sociedade doente, que, de certa forma, sanciona esse tipo de “crime consuetudinário” em seus graus mais variados?

Jonathan arrisca uma explicação: Embora os garotos com quem Gili interaja sejam populares na escola, eles também precisam manter seu status social. Eles acreditam fortemente no que lhes é dito: que o mundo é deles, que eles têm direito a tudo e que apenas os idiotas não aproveitam o que lhes é oferecido. É nesse estado de espírito que eles encontram Gili, uma menina da sua idade cuja autoestima é instável.

Mas Gili não é exatamente uma vítima e nem seus abusadores podem ser, grosso modo, identificados como tal. Numa das suas falas mais emblemáticas a esse respeito, a própria personagem afirma: ninguém pode ferir meus sentimentos, se eu estava apenas interessada em sexo, como vocês.

Ninguém quer ser a vítima, então Gili protege-se da única maneira que conhece: redefinindo a narrativa, alienando-se do abuso. Esta é precisamente a maneira como o filme é construído. Ele retrata coisas aparentemente normais tentando deixar qualquer interpretação ou julgamento apenas para o espectador, esclarece Jonathan, colocando-nos na esteira não da imoralidade, mas da amoralidade.

A equipe de Six Acts no Festival de San Sebastián

A equipe de Six Acts no Festival de San Sebastián

Émile Durkheim elaborou o conceito de Anomia Moral para falar de uma sociedade marcada pela ausência de normas, regras e limites. Para o sociólogo francês, o consenso social seria favorecido pelo aparecimento de uma solidariedade entre seus membros, que seria o fundamento da moralidade a qual, na sociedade moderna, tenderia a se tornar a norma jurídica. Mas solidariedade não é exatamente a regra das relações sociais num mundo onde até mesmo a virgindade pode ser negociada e onde um país mais poderoso massacra um povo cujas terras foram injustamente ocupadas.

Acho que nesse filme julgamos mais a sociedade que permite que essas coisas aconteçam do que os adolescentes. Ele seguem a ‘Lei da Selva’, vêem o que está acontecendo ao seu redor. Israel se tornou ultra-capitalista e muito agressiva ao longo dos anos. A solidariedade civil é algo bastante distante [em nosso país]. Então, o filme tenta retratar o efeito que isso tem nas relações humanas, ou na ausência delas, escolhendo a arena da sexualidade adolescente, defende Rona, remetendo à situação de desagregação social de Israel em particular, um país outrora socialista e que converteu-se, ao longo dos anos, no braço armado dos Estados Unidos no Oriente Médio, outorgando-se o direito de ocupar ilegalmente os territórios de países vizinhos, sobretudo aqueles pertencentes ao povo palestino, problemática que não passa ao largo de Six Acts. Não visamos diretamente a ocupação dos territórios palestinos, mas optamos por mostrar a brutalidade banal de uma sociedade violenta. Ocupação e capitalismo andam de mãos dadas através da nossa história.

Embora não apresente uma visão tão crua como outros polêmicos filmes sobre adolescentes, como o clássico Kids (Kids, EUA, 1995 ), Six Acts é um retrato perturbador de uma época na qual os valores morais cederam ao desejo de falsa integração, à construção de uma aparência de felicidade que pulula em redes sociais e que parece ser o signo desse início de milênio. Não obstante isso possa induzir o espectador no pessimismo em relação às novas gerações, é exatamente no sentido de uma transformação positiva que um trabalho como esse deve ser apreciado. Afinal, todos os excessos conduzem inevitavelmente ao vazio e ao desejo de mudança, o que exige que os homens repensem sua sociabilidade e sua própria condição de seres humanos. No mais, este é um filme que deve ser visto não apenas por adolescentes, mas, sobretudo, por aqueles que têm a responsabilidade e o dever de prepara-los para esse mundo que se quer novo.

Six Acts integra a mostra competitiva do Festival de Tribeca-2013, que ocorrerá de 17 a 28 de abril de 2013, na cidade de Nova York.

Assista o trailer.

Clique aqui para assistir o vídeo inserido.

 

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